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Celiane Andrade
Celiane Andrade
Senegal
Senegal
Casa em que Diogo morou no Senegal
Celiane Andrade
Celiane Andrade

Missionários: uma vocação sem fronteiras

Largar tudo e ir rumo ao desconhecido. É assim a vida de quem decide se tornar um missionário religioso. Salvo casos quando o voluntário se inscreve para participar de uma missão humanitária, por exemplo, em que algumas informações já são predefinidas, no geral, os adeptos de congregações missionária religiosas que abraçam a missão, não sabe para vão, quem vão encontrar e como vão viver. “É um dom. Você se sente vocacionado ou chamado por Deus”. É o que diz Celiane Andrade, missionária há mais de 5 anos que atualmente está em missão no Shade, país de território africano que faz fronteira com Sudão e Nigéria.

 

A moça participava de uma noite de orações em evento religioso no Recife, quando sentiu o que revela ter sido o chamado de Deus. “Eu estava orando, pedindo a Deus que guiasse minha vida, meus caminhos e minhas decisões, e senti aquela coisa falando dentro de mim: ‘Você tem que ir ajudar quem precisa’”. Durante a experiência daquela noite, ela conta que até mesmo o país para onde deveria ir, foi sugerido. “Falei com meu pastor e então fomos providenciando os trâmites”.

 

Celiane Andrade é cearense e tem 40 anos. Sempre morou em Fortaleza na casa do pai e da mãe, no bairro Vila Pery. É formada em teologia com pós-graduação em missiologia. Há mais de 30 anos decidiu se tornar evangélica e há pouco mais de 6 resolveu noivar. Cláudio, o noivo, ela conheceu na igreja. E pouco tempo depois de namoro, selaram a relação que hoje sobrevive a distância, já que Cláudio está no Brasil, separado por milhares de milhares de quilômetros da noiva.

 

Além do amor e da companhia do parceiro, para atender ao chamado que sentiu naquele culto em Recife, ela também deixou para trás o conforto da casa, o contato família e até mesmo o pai, que tornou-se viúvo e hoje vive sozinho depois do falecimento da mãe, há pouco menos e cinco anos. Sobre o preço da sua decisão, Celiane pondera: “não é uma questão de escolha, é uma vocação, um chamado e, como o próprio nome diz, uma missão dada a você por Deus. E a ele não se desobedece”.

 

Logo que sentiu o chamado, a evangélica comunicou o fato ao seu pastor. Dali em diante, os dois trataram de verificar a viabilidade da viajem ao lugar. “Não é assim, na doida (sic) não!” Para não pôr a vida dela em perigo, coube ao pastor ver as condições do País e se já haviam outros grupos missionários em algum alojamento que ela pudesse se integrar. Algumas igrejas prestam assistência aos seus adeptos que decidem tornar-se missionários, como foi no seu caso. Além de receber uma ajuda de custo por parte da congregação, ela ainda recebeu suporte técnico como computador com moldem, para quando fosse necessário falar, e telefone.

 

Celiane também deveria obedecer a alguns pré-requisitos, como ter domínio de outro idioma (já que não havia garantia de existir um tradutor ou outro brasileiro para onde ela estava indo), e ter alguma preparação espiritual e teórica. “No meu caso, sou evangélica há 33 anos e sou formada em teologia”, conta. Devido a estes critérios, Celiane revela que nem todos conseguem a permissão para viajar. E no caso dos chamados missionários transculturais, que decidem ser missionários por conta própria em situações de ação solidária ou humanitária, independente de que religião façam parte ou se tenham ou não recebido algum chamado vocacional, esses critérios tornam-se ainda mais rigorosos. “No meio, é regra que eles devem ter alguma assistência ainda maior, já que não serão acompanhados por nenhuma igreja, por exemplo”.

 

Os perigos

A viajem acontece por meio de empresas especializadas em agenciar missões religiosas. Na prática, funciona como uma agência de viagens de turismo. Na teria, ao invés de vender um pacote para levar alguém de iate a conhecer pontos turísticos pagando em 12 vezes, essas agências fazem o transporte dos missionários para lugares distantes e cada vez mais desprovidos de pontos de beleza turística. No País, existem mais de 50 dessas empresas. Nenhuma delas está no Ceará. A maioria das sedes estão espalhadas por São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. O custo da viajem, pode ser negociado com a igreja ou congregação.

 

Seu ponto forte é garantir a segurança do missionário para onde ele esteja indo, fazendo um levantamento de informações do local na tentativa de descobrir se houve, em casos de países como o Shade, por exemplo, conflitos religiosos.

 

Um exemplo do modo de atuação dessas agências se deu há alguns meses quando o grupo extremista Boko Haran sequestrou quase 300 nigerianas. Como o Shade faz fronteira com a Nigéria, as empresas entraram em contato com os missionários comunicando que, em dentro de algumas horas, caso houvesse a informação de mais alguma investida do grupo, eles seriam retirados do local imediatamente, por um avião que estava pronto para buscá-los. Seria uma medida de segurança. Por sorte, nada aconteceu. “Como o presidente daqui é um ex-militar e também religioso, ele montou uma grande estratégia com as forças armadas para garantir a segurança do país. Aqui o Boko Haran não entra”.

 

A missão

“Evangelizar, levar a palavra de Deus, prestar assistência espiritual”. Nas palavras de Celiane, esse é o dever a ser cumprido por quem decide ser missionário. Mas nem sempre é fácil. Como as missões ocorrem em países de extrema pobreza, carente de atenção humanitária e de recursos, e onde a religiosidade quase sempre é posta em xeque, as cenas vistas são fortes e causadoras de um misto de revolta e comoção. Um dos países por onde passou, foi onde viu a maioria dessas cenas chocantes. “Lá (na África), as crianças são mal tratadas, não recebem higiene, são frágeis devido a fome, são exploradas (...)”.

 

Os missionários trabalham cuidado do próximo como um todo: alma e corpo, mente e espírito. Quando conseguem arrecadar, através de cultos religiosos ou pedindo de porta em porta, doam comida, mantimentos, água e roupas. Ainda assim, Celiane enfatiza que “é preciso ter muita fé e um preparo psicológico porque se não, você acaba inevitavelmente se afetando pelo que vê, principalmente porque está lá, mas seu poder de interferir fazendo alguma coisa é praticamente nulo”.

 

É um dom. Você se sente vocacionado ou chamado por Deus”.

Celiane Andrade

Como o presidente daqui é um ex-militar e também religioso, ele montou uma grande estratégia com as forças armadas para garantir a segurança do país. Aqui o Boko Haran não entra”.

Celiane Andrade

Eu não tinha mais aqueles confortos que eu tinha em casa. Tudo isso foi me tornando um cara melhor, um cara mais “safo”, e mais preparado para o que poderia encontrar na África e na vida.

Diogo Militão

Voluntários sem fronteiras

Exemplos de pessoas que sentiram um chamo interior a ser missionário, não faltam. Assim como Celiane, Diogo Militão teve uma experiência parecida há 11 anos. Foi quando ele participava de um congresso de convenção da Igreja Batista O chamado em questão não veio através de oração, mas ao ver outros tantos jovens com enormes mochilas nas costas, prestes a embarcar para a África, onde fariam trabalhos voluntários através do programa África Radical.

 

“Quando eu cheguei em casa disse aos meus pais que iria para a África. Todo mundo riu, mas eu tentei mesmo assim, já que para mim, era a chance de viver algo diferente”, revela Diogo que diz ter feito a inscrição no projeto sem acreditar muito que fosse dar certo.

 

Antes de chegar à África, Diogo passou por um treinamento de um ano no Rio de Janeiro. Dividido em ensinamento teórico (teologia, antropologia, linguística, fenomenologia) e prático (trabalhos em grupo), o intuito era unir o grupo, já que “Na África tem muito essa cultura de grupo. Então nós tivemos que depender um do outro, e isso ajudou muito, em vários aspectos, apesar de ter sido difícil”. O treinamento surtiu resultados até no convívio dentro de casa. “Eu não tinha mais aqueles confortos que eu tinha em casa. Tudo isso foi me tornando um cara melhor, um cara mais “safo”, e mais preparado para o que poderia encontrar na África e na vida”, lembra Diogo.

 

A imagem construída por Diogo do sonho de embarcar para ser um voluntário foi de encontro com o choque cultural que sofreu. Na aldeia onde ficaram, ele e o grupo, chamada Sinthiouroudji e localizada ao extremo suldoeste africano, ele se deparou com cenas desestruturantes de choque cultural, como a de um casamento entre uma criança e um homem de mais de 40 anos.

 

Sob olhares desconfiados de pessoas da aldeia, Diogo e seu grupo ergueram a própria casa. As paredes eram de barro e o teto feito de palha. A missão não foi fácil. O jovem contraiu malária seis vezes e confessa que chegou a chorar de fome. Mas a vontade de desenvolver um trabalho voluntário em um país distante foi se revelando, trazendo novas respostas à fase de descobertas de Diogo. “Eu fui descobrindo essa vontade que é muito maior que uma paixão de menino de querer ser mochileiro, eu precisava florescer onde eu estivesse plantado”, relembra.

 

Nos três anos em que passou na aldeia africana, ele e seu grupo foram ganhando a confiança dos demais moradores, o que os deu liberdade para exercer por completo a missão que haviam sido delegados. O primeiro deles foi à criação de uma horta, o que juntou a todos ao atrair a atenção dos diversos curioso que, agora, tinham uma fonte de alimento saudável. Em seguida, fizeram projetos sociais de auxílio às necessidades da comunidade, montaram uma escola de basquete, e implantaram um programa similar ao da pré-educação escolar brasileira, que funciona até hoje, ensinando cores, sílabas, números às crianças do lugar.

 

A vontade de ser missionário de Diogo se deu através do programa Voluntários sem fronteiras. A iniciativa partiu da senhora Anausira do Nascimento, que após passar 17 anos em missão na Angola, retornou ao Brasil com a ousada ideia de capacitar jovens para saírem em missão pelo mundo.O objetivo é “abrir caminhos”, em regiões que nunca antes foram pensadas e o jovem é enviado por um tempo de 3 anos mais ou menos, para lugares em que eles são necessários. Diogo viajou pelo programa Radical África, na sua terceira edição um dos ramos de atuação dos Voluntários sem Fronteiras.

 

Hoje, dez anos depois de sua primeira missão, casado, Diogo que mora na Ásia Central, Quirguistão. Ele e sua esposa trabalham na organização internacional Mais no Mundo, que realiza trabalhos voluntários em todo o planeta.

 

 

Apesar de tudo, vale a pena

Exemplos como o Diogo, mostram que os missionários têm que vencer uma própria batalha: a da luta consigo mesmo para superar os momentos de dificuldades durante suas missões. Vivendo em uma cultura completamente diferente, Celiane chegou a comer pratos como rã assada, tubarão cozido e fígado de camelo. Os lugares carecem de qualquer serviço básico. E ao incorporarem a dor do outro em sua missão, por vezes, os missionários passam pelos mesmos problemas como falta d’água ou de energia.

 

No Shade, falar com Celiane era tarefa de paciência. Não havia energia em alguns vilarejos onde missionavam. Um motor era alimentado por energia solar durante o dia para suprir toda a população do vilarejo durante a noite. E por mais que houvesse boa vontade, logo a o motor parava de funcionar e bateria do seu telefone descarregava.

 

Nos dias em que conversamos, ela integrava um vilarejo de outros cinquenta missionários, entre evangélicos, espíritas e católicos como padres e até freiras, quase todos de países diferentes, que se comunicavam por francês. Por email, questionei ela sobre a saudade da família, do noivo, e se a missão vale a pena. E mesmo com todas as dificuldades, o choque de culturas, o trauma psicológico que pode carregar, enfática, Celiane responde: “sim, vale muito a pena”. Não há resposta melhor para definir quem trabalha a disposição de Deus.

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